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Por que o Brasil é tão dependente dos fertilizantes importados

Mais de 80% dos adubos que o Brasil compra vem de fora. Plano Nacional de Fertilizantes, lançado pelo governo Bolsonaro e que deverá ser mantido por Lula, prevê aumentar a fabricação até 2050

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Foto: Foto de Antony Trivet
Rui Barbosa

Em seu discurso de posse em 1° de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil precisa investir mais na produção de fertilizantes. O país compra 85% do produto do exterior atualmente.

É possível diminuir a dependência do país?

Dr Guilherme Dentista

✅ Sim, apontam especialistas do setor entrevistados pelo g1.

⚠️Contudo, o Brasil não deve alcançar a independência completa devido ao tamanho do mercado nacional e à escassez de matéria-prima para fertilizantes químicos, que precisam de nitrogênio, potássio e fosfato.

Esses elementos são macronutrientes e são necessários para todas as plantas. Juntos, eles são chamados de NPK, os fertilizantes mais usados.

A ideia de aumentar a produção é motivada pelo medo de ficar sem o fornecimento do item no país quando há crises internacionais. Isso aconteceu quando a guerra da Ucrânia começou, em fevereiro de 2022, já que os russos são os nossos principais vendedores.

O presidente Lula não é o primeiro a sugerir mais produção do insumo. No ano passado, o governo Bolsonaro lançou o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), que vai definir um caminho para o Brasil diminuir a dependência do exterior até 2050.

Lula já disse que, em seu governo, o programa será continuado e o ministro da agricultura, Carlos Fávaro, em entrevista ao jornal O Globo, afirmou que irá colocar em funcionamento três plantas de produção de nitrogenados da Petrobras, que estavam paralisadas.

Os nitrogenados são compostos orgânicos que fornecem o nitrogênio, por exemplo, os derivados da amônia e a ureia.

Entenda mais sobre o problema em 6 perguntas e respostas:

  • Por que o Brasil não é um grande produtor de fertilizantes?
  • É caro produzir fertilizantes no Brasil?
  • O Brasil pode se tornar autossuficiente?
  • Quais os principais objetivos do PNF?
  • Quais medidas poderiam ser tomadas pelo governo?
  • E como fica o meio ambiente?

Por que o Brasil não é um grande produtor de fertilizantes?

A desindustrialização do setor e a perda de competitividade vêm ocorrendo gradativamente ao longo de 25 anos, afirma Bernardo Silva, diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert).

Para ele, o principal marco que iniciou esse movimento aconteceu em 1997, com o convênio ICMS, que determinou pagamento de impostos na comercialização de fertilizantes dentro do país, sem aplicar a mesma medida para importação.

Com isso, ficou mais barato importar fertilizantes do que comprar os nacionais.

“Isso acabou retirando completamente a competitividade da indústria nacional e aqueles atores que estavam no mercado foram acumulando prejuízos e decidiram sair do setor”, diz.

Duas dessas empresas que saíram do setor de fertilizantes foram a Vale e a Petrobras.

Ainda assim, antes desse movimento, o Brasil não era autossuficiente. Contudo, o país produzia mais do que importava, afirma Silva.

É caro produzir fertilizantes no Brasil?

A produção de fertilizantes no Brasil se tornou cara ao longo dos anos, o que, para Silva, estimula a desindustrialização. Entram nesses custos: mão-de-obra, matéria-prima, energia e o gás natural brasileiro, que tem o valor elevado.

O preço dos fertilizantes vem sofrendo quedas, mas os importados ainda são mais atrativos para os agricultores, por serem mais baratos, aponta Jefferson Souza, coordenador de fertilizantes da Agrinvest Commodities, uma corretora de Commodities Agrícolas.

Além disso, para as empresas que decidem entrar no ramo, o investimento inicial é grande e o retorno do valor pode demorar cerca de 20 anos, explica Paulo Sérgio Pavinato, professor no departamento de Ciência do Solo, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).

O Brasil pode se tornar autossuficiente?

Os entrevistados pelo g1 não acreditam que o Brasil possa se tornar autossuficiente devido ao tamanho do mercado agrícola no país.

Entre os recursos geológicos identificados hoje, não há ainda o suficiente para suprir 100% da demanda nacional. Contudo, Silva diz que existe um desconhecimento sobre as reservas minerais.

“Nenhum país é [autossuficiente] tirando a China e a Rússia, mas, com o Plano Nacional, a gente tem grandes chances de reduzir pela metade a nossa dependência externa”, diz Silva.

As reservas brasileiras de matéria-prima para fertilizantes de potássio e fosfato são limitadas, aponta Pavinato. Caso fossem ainda mais exploradas, durariam apenas cerca de 20 anos, diz.

As principais fontes de onde o fosfato, potássio e nitrogênio são coletados são:

  • gás natural, nafta e resíduo asfáltico (os dois últimos são derivados do petróleo);
  • enxofre;
  • rocha fosfática;
  • rocha potássica.

Ainda assim, o Brasil tem diversas condições positivas para aumentar a produção de fertilizantes, segundo o diretor executivo do Sinprifert. Sendo elas:

  • gás natural, para converter em amônia e ureia, que fornecem nitrogênio, por sua vez;
  • energias renováveis, para converter em amônia e “hidrogênio verde”, que é o produzido com eletricidade oriunda de fontes de energias limpas e renováveis;
  • grandes reservas minerais, que poderiam suprir parte da necessidade nacional de potássicos.

Mas há pelo menos um entrave. Uma grande área potencial para os fosfatados se encontra na Amazônia, mas sua exploração poderia causar uma repercussão ruim para o Brasil, afirma Clorialdo Roberto Levrero, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira das Indústrias em Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo).

Além disso, o custo de implantar uma exploração dessas é alto, podendo atingir US$ 7 bilhões, diz Pavinato, da Esalq/USP.

Em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a defender a exploração de fertilizantes e produção de energia em terras indígenas por meio da aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que permitia esse tipo de extração.

Na época, Bolsonaro justificou a fala comentando que há uma fonte de potássio na foz do Rio Madeira, que é reserva indígena do povo Mura.

Mas, apesar desse possível ponto de extração, as jazidas de potássio localizadas em terras indígenas representam apenas 11% do total da Bacia da Amazônia, segundo pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Outra contradição é que a substância mineral mais requerida no Norte do país é o ouro e não as matérias-primas para fertilizantes, apontou a pesquisa da Suzi Theodoro, do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural na Universidade de Brasília (PPGMADER/UnB), com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Para a pesquisadora, a questão do fertilizante foi uma desculpa para os demais tipos de extração.

Quais os principais objetivos do PNF?

O plano sugere:

  • aumento de 35% da produção nacional de fertilizantes até 2050;
  • manutenção dos fluxos de fertilizantes, apesar da elevação dos preços;
  • isenção de impostos do convênio ICMS;
  • tornar o setor atrativo para investimento de grandes empresas, retomando o parque industrial do país;
  • se trata de um projeto a longo prazo, portanto independente de governos.

Para Silva, do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes, o Brasil tem grandes chances de reduzir pela metade a dependência externa com o PNF.

Ele explica que grandes empresas já voltaram a anunciar projetos no país, como a EuroChem, que tem mineradoras na Rússia e no Cazaquistão.

Esse movimento é impulsionado pela alta demanda pelo produto no país, aponta Pavinato, da USP.

Crescer a produção nacional em 35% é uma meta ousada, afirma Rodrigo Castro, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor de país da Fundação Solidaridad.

Ele acredita que a iniciativa do plano de usar também os biofertilizantes para atingir o objetivo é o caminho mais promissor a ser tomado.

Contudo, Suzi Theodoro, da UnB, observa que, mesmo que o Brasil produza mais fertilizantes, incluindo outras opções além dos químicos, todos esses produtos dependem da aceitação pelo agricultor, que pode, ainda assim, continuar comprando os insumos que já está acostumado.

Além disso, ela acredita que é um erro do projeto não estabelecer metas para se tornar 100% independente e não incluir os remineralizadores, que são fertilizantes produzidos a partir de pó de rocha com menos impacto ambiental e 5% mais baratos de se implementar do que a mineração.

Quais medidas poderiam ser tomadas pelo governo?

Veja o que disseram os entrevistados:

  • reindustrialização, com um desenvolvimento sustentável, segundo Silva, do Sinprifert;
  • manutenção das políticas tributárias, para gerar um campo de competitividade neutra entre os produtos nacionais e importados;
  • investimentos em capacidade produtiva e de infraestrutura, como gasodutos, ecovias, rodovias e portos;
  • redução do custo das matérias-primas, como energia e gás natural.

E como fica o meio ambiente?

Aumentar a produção de fertilizantes do Brasil seguindo o PNF não deve ter grande impacto negativo ao meio ambiente, afirma Castro, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Isso porque o plano é bem rígido quanto à legislação ambiental brasileira, exigindo estudos de impactos antes de qualquer implementação em áreas como a Amazônia.

Além disso, o plano propõe que o aumento não venha apenas dos fertilizantes químicos, que partem da extração de minerais, como também dos biológicos e do desenvolvimento de biotecnologia.

Ainda assim, qualquer atividade de extração mineral gera impactos, pois há uma mudança do perfil do uso do solo da região, explica Suzi, da UnB.

Para ela, é legítimo que o Brasil queira se tornar independente no setor, mas é importante considerar como as comunidades do entorno podem usufruir da extração, se isso irá trazer algum tipo de desenvolvimento para elas, como na economia da região, ou não.

Há também a emissão de gases do efeito estufa pelos equipamentos usados na extração mineral, além do desmatamento para abrir as jazidas, aponta Silene Maria de Freitas, pesquisadora no Instituto de Economia Agrícola (IEA).

Ela diz ainda que, apesar de existir a intenção de melhorar os métodos do setor, o tornando mais sustentável, nem sempre as políticas públicas acompanham as pesquisas científicas.

Sicredi
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