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Queria flores, maquiagens e perfumes, mas ainda não dá. O Dia Internacional da Mulher é de luta e reivindicações

Os dias festivos, finais de semana e datas comemorativas, que deveriam ser momentos de descontração, se tornam o terror para muitas de nós

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Como extensionista rural, vivenciei ao longo de 17 anos vários momentos de violência contra a mulher, momentos de tensão e de grande angústia. Por essas e outras, ainda sou daquelas mulheres (chamadas de chatas) que reivindica direitos no Dia Internacional da Mulher e não aceita muito a “comemoração” por não ver sentido.

Por muito anos, vivi em locais rurais do estado, presenciei situações e ouvi relatos tenebrosos a respeito da violência sofrida por mulheres a partir de seus próprios companheiros. Sou daquelas que “mete a colher” por isso em alguns casos também fui alvo.

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Precisamos falar sobre isso, e nada melhor do que relatar os fatos, pois tenho certeza de que vai rolar uma identificação com as diversas situações. Afinal, não são só mulheres camponesas que sofrem com situações assim.

Alcoolismo, ciúme e possessividade são facetas do machismo para dominar as mulheres, proibindo-as de vivenciar as experiências que gostariam.

Várias mulheres relatavam que precisavam se refugiar “no mato” com os filhos à noite, pois, o marido chegava alcoolizado e violento e queria matar a todos. Mulheres que passavam a morar no estábulo, com medo de serem mortas à noite. Certa vez, me vi em fuga com uma delas, me escondendo em uma casa no caminho. O marido chega, questiona se estávamos ali, os moradores negam, ele insiste, mas não ousa enfrentar outro homem, vai embora e nós duas escondidas num dos cômodos, mal respirando, querendo muito, de fato, desaparecer.

Em outro momento, eu com meu filho pequenino, morava de parede e meia com outra família. O homem fica o dia inteiro no bar, a mulher no tanque. Quando ele chega, ela questiona e ele vai para cima dela com uma faca. Vejo pela fresta da parede a cena, ela se tranca no banheiro com uma das crianças. A criança grita: “para papai” e ele tenta quebrar a porta. Eu entrei, fui lá sem pensar, deixei meu filho no carrinho. Ao me ver, por sorte ele se inibiu do ato de violência, o mandei sair dali e ele foi embora. Um dia depois e quebrou tudo, absolutamente tudo o que havia na casa. Uma noite terrível, se escondeu na casa de familiares a mulher com os filhos e eu fiquei ali, com medo, muito medo. E isso era corriqueiro, a cada visita uma história.

Tenho aquela amiga que vinha toda roxa trabalhar, apanhava do companheiro em casa. Chegava no trabalho e dizia que havia sofrido alguma queda, batido em algum lugar, mas todos nós sabíamos da situação, a alertávamos para sair daquilo. Com o tempo, ela se libertou. Mulher que não podia ver sua família, mulher impedida de sair de casa, mulher impedida de estudar, mulher sempre grávida para não poder fazer outra coisa, senão estar cuidando da família! Eu vi e vivi essas e outras!

Sim, cada história dessas representa o cotidiano de muitas mulheres. Por acaso nenhuma delas foi assassinada, digo por acaso, pois a cada 2 horas uma mulher é morta no Brasil. Relações cíclicas, cuja violência física é o ápice, mas a violência psicológica e a dependência econômica são a nuance predominante deste ciclo difícil de romper. Por isso, não gosto das flores nesse momento, elas e outros agrados fazem parte da manutenção doentia e perigosa destas relações. Gosto das flores vivas e inesperadas de reconhecimento, não pela troca da dor e sofrimento.

Ainda é preciso reivindicar o momento dessa comemoração. A situação da violência contra a mulher ainda está longe de soluções seguras para as que sofrem e para quem “mete a colher”. Poucos municípios têm delegacia da mulher, poucos têm casas de acolhimento, poucos têm os dispositivos de alerta de violência doméstica, é muito difícil manter as medidas preventivas de distanciamento entre agressor e vítima.

Os dias festivos, finais de semana e datas comemorativas, que deveriam ser momentos de descontração, se tornam o terror para muitas de nós. Vimos vários feminicídios entre o Natal e ano novo.  Muito se tem a fazer e reivindicar. Ainda não podemos aceitar as flores. Por mim, por nós, estarei sempre atenta e com a colher na mão. E que essa colher esteja cada vez mais “metida” e em mais mãos.

Elisa Koefender

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