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Uso obrigatório de apps em colégios gera impasse entre professores e governo do PR: ‘Transforma a escola em fábrica de números e índices’

Governo passou a instituir aplicativos de uso obrigatório em 2022. Para professores, apps deveriam servir como apoio. Secretário defende que obrigatoriedade é necessária para garantir uso das ferramentas.

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Foto: Seed
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A obrigatoriedade do uso de pelo menos sete plataformas digitais para a educação de estudantes em colégios públicos do Paraná tem gerado discordância entre docentes e governo estadual.

O uso das ferramentas está acompanhado da cobrança de metas que, na opinião de professores, limita o ensino e faz com que o formato se aproxime apenas de um gerador de números, não necessariamente de aprendizado.

Dr Rodrigo Dentista

Ao mesmo tempo, profissionais reclamam de sobrecarga de trabalho e citam que os apps diminuem a capacidade de correção de exercícios.

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Para o secretário de educação do estado, Roni Miranda, os apps podem facilitar o dia a dia dos professores, permitindo que eles tenham mais tempo para se dedicar a alunos com mais dificuldade.

Roni defende ainda que as plataformas potencializam o aprendizado.

Os aplicativos começaram a ser implantados gradativamente em 2022 pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná (Seed) e são direcionados para disciplinas básicas, como português e matemática.

A Seed explica que todos os colégios possuem computadores e internet, por isso, se alunos não tiverem acesso aos aparelhos em casa, podem utilizar na escola.

Neste ano, em agosto, um protesto de um dia sem uso das plataformas chegou a ser organizado por docentes, que pediam a diminuição do uso dos aplicativos sob a alegação de uso exagerado no ensino.

Em nota a App-Sindicato disse que é favorável ao uso de tecnologias em sala de aula, desde que a adoção seja opcional.

“A obrigatoriedade, atrelada à cobrança por metas, solapa a autonomia pedagógica e transforma a escola em uma fábrica de números e índices para o governo.”

Argumentos dos professores

Professora Denise Sampietro, de Guarapuava — Foto: g1

Professora Denise Sampietro, de Guarapuava — Foto: g1

A professora Denise Sampietro, de Guarapuava, acredita que o uso dos aplicativos é benéfico ao oportunizar a entrada no estudante no ambiente digital, porém, contesta a forma com que o governo tem cobrado o uso das plataformas.

Na disciplina dela, são três aplicativos obrigatórios, entre eles, o de produção de redação. Nele, Denise precisa fazer proposta textuais e corrigir quase 400 textos mensalmente.

“Eu preciso lançar uma proposta textual e esse aluno tem que entrar nessa plataforma e fazer o texto. E o professor precisa entregar corrigido dentro do mês. Então, se ele ultrapassa o prazo, a meta não é atingida. Se a gente não consegue fazer a correção no mês, a meta não atingida.”

Este volume de trabalho também existia antes, quando a professora precisava corrigir os trabalhos em folhas de papel.

A diferença de hoje é que, se a correção não for feita no prazo, dentro novo formato, a meta não é atingida e as equipes gestoras dos colégios passam a ser cobradas, segundo a professora.

Neste novo processo, ela avalia que o professor trabalha sob pressão, precisa levar trabalho para casa e, quanto ao acompanhamento pedagógico, não consegue ter tempo para se dedicar individualmente aos alunos.

“Para fazer a correção de 400 textos mensais fica bastante comprometido. E como são muitos textos, isso não garante o aprendizado do aluno.”

O professor Leandro Fausto Jakobsen, de Paranaguá, tem a mesma opinião.

Ele avalia os apps como importantes, mas critica a obrigatoriedade. Professor de Língua Portuguesa, ele conta que já foi procurado por supervisores do estado pelo não uso das ferramentas.

“É uma política de vigilância constante. No meu caso, a prioridade é a plataforma Redação Paraná. Caso eu não tenha números suficientes, se meus alunos não lançarem as redações de forma efetiva, eu sou cobrado por isso […] É uma pressão constante.”

Professor Kurt, de Paranaguá, explica que apps aumentam demanda de trabalho dos professores e dificultam retorno para alunos — Foto: Redes sociais

Professor Kurt, de Paranaguá, explica que apps aumentam demanda de trabalho dos professores e dificultam retorno para alunos — Foto: Redes sociais

O professor Kurt cita que os aplicativos não tiraram a autonomia dos professores planejarem as próprias aulas, mas cita que falta tempo para preparar os conteúdos, por isso, muitos docentes optam por utilizar os conteúdos que o próprio governo sugere nas ferramentas.

Ao mesmo tempo, ele cita que com o volume de trabalho, muitos professores têm sacrificado a qualidade das aulas, especialmente nas correções e retornos aos alunos.

“Como é muita redação, muita coisa pra fazer, de fato cai a nossa qualidade. A gente não tem mais esse momento mais próximo do aluno de interpretar […] É humanamente impossível vencer o que o estado propõe como conteúdo e conciliar com o uso das plataformas. Então, a gente acaba fazendo escolhas.”

Denise e Kurt percebem, ainda, outras duas situações:

  • “Explosão” de conteúdos copiados que surgiram com tarefas nos ambientes digitais, especialmente com a popularização da inteligência artificial;
  • Dificuldade de se comprovar que alguns alunos estão, efetivamente, fazendo os exercícios;

“A grande problemática é que não mostra que o aluno realmente fez a leitura, mas que ele acessou a plataforma. Então, eu não tenho como garantir a leitura de 100% desses alunos. Só tenho como garantir que ele acessou”, explicou Denise sobre o aplicativo Leia Paraná.

Os aplicativos e a obrigatoriedade

No Paraná, apps obrigatórios não são utilizados apenas na educação infantil e anos iniciais, segundo Seed — Foto: Seed

No Paraná, apps obrigatórios não são utilizados apenas na educação infantil e anos iniciais, segundo Seed — Foto: Seed

Atualmente, o Governo do Paraná possui sete aplicativos vinculados às disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Inglês, além de atividades extraclasse.

As plataformas oferecem livros gratuitos, exercícios de programação, lição de casa, entre outras atividades. Atualmente, os principais apps utilizados pelos alunos e professores do Paraná são:

  • Desafio Paraná Quizizz: plataformas para lições de casa utilizada por todos os estudantes e professores da rede.
  • Redação Paraná: plataforma para escrita de redações. Oferece aos estudantes oportunidades de praticar a digitação necessária para o mundo do trabalho e o feedback do professor. Já para os professores, a plataforma oferece um banco de propostas completas com textos de apoio e alinhadas ao Currículo da Rede para cada ano e série escolar.
  • Leia Paraná: plataforma de leitura com títulos adequados a diferentes faixas etárias. O app tem obras que vão de best-sellers aos clássicos da literatura universal. Ao longo da leitura de cada obra, o estudante responde a exercícios.
  • Inglês Paraná: plataforma de curso de língua.
  • Matific: plataforma de matemática que disponibiliza jogos aliando conhecimento e games.

No site da Seed, o governo mostra os aplicativos disponíveis, alguns para uso exclusivo do professor, como o Registro de Classe Online (RCO).

Site da Seed-PR mostra aplicativos e ferramentas digitais disponíveis para professores e alunos - parte delas são exclusivas para docência — Foto: Seed/Reprodução

Site da Seed-PR mostra aplicativos e ferramentas digitais disponíveis para professores e alunos – parte delas são exclusivas para docência — Foto: Seed/Reprodução

Secretaria de Educação fala em suporte à docência

O secretário de educação Roni Miranda explicou que as ferramentas digitais foram instituídas para funcionar como suporte à docência. O modelo começou a ser pensado pelo Paraná a partir da pandemia da Covid-19.

“O professor entendendo ela [plataforma] como um apoio no seu trabalho, pode ser uma grande ferramenta de auxiliar e poupar o desgaste do professor. De ficar 10 aulas falando, gastando toda a sua energia de voz, enfim. Isso pode ser uma grande ferramenta de apoio.”

Para o secretário Roni, a obrigatoriedade do uso das plataformas precisa existir para que a Seed consiga garantir o trabalho em investimentos já feitos.

“Oportunizar um estudante de escola pública a acesso a uma plataforma é direito do estudante. O estado adquiriu essa ferramenta […]. Só que se eu deixar em uma rede que tem 52 mil professores dizendo ‘ó, só usa quem quer’. Como que vai ser?”, disse Roni.

Confira, abaixo, a distribuição dos apps por disciplina:

  • Matemática: duas ferramentas, uma para sexto e sétimo ano e outra do oitavo ao Ensino Médio;
  • Inglês: uma única ferramenta;
  • Redação: uma única ferramenta;
  • Leitura: uma única ferramenta;
  • Programação: uma única ferramenta;
  • Tarefa de casa: uma única ferramenta.

Resistência

A resistência ante à obrigatoriedade das plataformas digitais no Paraná apareceu publicamente em 30 de agosto deste ano, quando a APP-Sindicato mobilizou professores estaduais para a chamada “greve de apps”.

A proposta foi para os docentes não utilizarem, por um dia, nenhum dos aplicativos que passaram a ser obrigatórios. Na ocasião, nem a APP, nem o Governo do Paraná conseguiram mensurar a adesão ao movimento. As aulas não foram afetadas.

Uma pesquisa contratada pela APP-Sindicato e realizada com 300 professores, pedagogos e diretores indica que:

  • 83% dos entrevistados acreditam que os apps não melhoram o aprendizado;
  • 78,3% relatam adoecimento pelo uso dos aplicativos;
  • 72,3% dizem que escolas não tem quantidade suficiente de equipamentos para atender a demanda dos alunos;
  • 62% dizem ver possíveis riscos à privacidade e dados de professores e alunos.

Nas redes sociais, alunos publicaram vídeos criticando os aplicativos.

Em um material, no TikTok, uma jovem cita diversos aplicativos obrigatórios no estado e usa um meme para dizer que o sistema dela “não está dando conta” e está com uma “pane geral”. O vídeo tem mais de 78 mil curtidas e dois mil comentários.

Ideb como objetivo

Apesar de também não ser contra os aplicativos na sala, o sindicato avalia que ele é uma forma do governo manter o Paraná em destaque no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Em 2021, o estado atingiu o a maior média do país no Ideb ao alcançar o índice de 4,6, conforme divulgado pelo Governo Federal.

A preocupação do estado com o Ideb também apareceu em agosto deste ano, quando o Paraná propôs bônus de R$ 3 mil para funcionários que atingirem meta no Ideb.

“O foco, portanto, não está na aprendizagem, nem no apoio à rotina escolar. Está no controle do trabalho pedagógico, na padronização de conteúdos e na manutenção do estado no topo do Ideb a qualquer custo”, diz a APP-Sindicato.

O secretário de educação afirmou que o estado se preocupa com resultados de indicadores como o Ideb, mas disse que as conquistas não são viabilizadas exclusivamente pelos aplicativos.

“Não é só a plataforma, é o trabalho do professor, dos pedagogos, de trabalhar com os estudantes, com as famílias. É um conjunto de ações que a gente vem disponibilizando, distribuindo, para toda a rede escolar do estado do Paraná.”

Investimentos em equipamentos e internet

O secretário de Educação Roni afirma que, apenas em 2023, o estado disponibilizou 48 mil computadores; 16 mil notebooks e 50 mil tabletes – a Rede Estadual tem cerca de 980 mil estudantes, distribuídos em 2.120 colégios estaduais.

Ainda de acordo com o secretário, todos os colégios estão equipados com internet, de fibra ou satélite.

Para casos de alunos de baixa renda que não podem acessar o material digital em casa, o secretário cita que eles podem utilizar as plataformas nos laboratórios dos colégios.

Para atividades de lição de casa, podem fazer no papel em casa e depois passar para o aplicativo no colégio.

Para a APP-Sindicato, a estrutura tecnológica e o acesso à internet são um problema para muitos colégios e estudantes. Há uma preocupação, também, com os riscos à privacidade e à segurança dos dados da comunidade escolar.

“São atores privados que decidem quais plataformas serão usadas, o que vai ser ensinado e como vai ser ensinado […] A realidade é marcada pela carência de acesso adequado à internet, falta de computadores para atender à demanda gerada pela política de plataformização, superlotação e porte escolar inadequado.”

Estado não prevê novos apps, diz secretário

O secretário Roni defendeu que o Paraná continuará investindo em tecnologia nas salas de aula, mas não prevê, neste momento, o lançamento de nenhum aplicativo a mais.

“A gente entende que a gente tem um bom número de plataformas à disposição. Como a gente uma plataforma que tem uma abrangência maior, que é a de lição de casa e envolve todas as disciplinas, está suficiente.”

O secretário afirma que, no futuro, pretende investir em funcionalidades que ajudem os professores na elaboração de provas, por exemplo.

O estado tem planos, também, para formalizar parceria com a Receita Federal para distribuição de tabletes e smartphones apreendidos para alunos vulneráveis que hoje não possuem acesso.

“O Paraná é hoje o estado mais tecnológico na área de educação, sem dúvida nenhuma. E é importante esclarecer. Ela [plataforma] não pode ser atividade fim, não é ela que vai resolver os problemas da educação. Mas se o professor fechar as portas para a tecnologia, isso complica o desenvolvimento educacional.”

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