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Polonês enterrado há 100 anos no Parque Nacional do Iguaçu escreveu 1ª obra científica sobre aves do PR

Historiador luta para restaurar monumento em homenagem ao naturalista

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Foto: Divulgação/'Ruínas e Urubus: História da Ornitologia do Paraná'
Martin Luther – Enem

“O Paraná em termos da natureza é extremamente interessante”, assim descreveu o polonês Tadeus Chrostowski, considerado o patrono da ornitologia do Paraná, em um dos artigos científicos que escreveu sobre as aves do estado.

A ornitologia é o ramo da ciência dedicado ao estudo das aves. O trabalho do polonês incluiu ao menos 52 diferentes categorias entre espécies ou gêneros de aves à lista de pássaros do estado.

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Nas passagens pelo Paraná, o estudioso coletou mais de 2 mil exemplares de 387 espécies. Os registros escritos por Chrostowski sobre o Paraná datam do período de 1910 a 1923..

Fernando Straube, pesquisador de ornitologia brasileiro, traduziu o material para o português e reuniu as obras do naturalista na coletânea “Ruínas e Urubus: História da Ornitologia do Paraná”. Veja trechos mais abaixo.

A afinidade do pássaro grimpeirinho (Leptasthenura setaria) com os pinheiros, o registro de arapaçus (Xiphocolaptes albicollis), papa-moscas, tangará (Chiroxiphia caudata) e pica-paus (picumnus iheringi), além do já extinto paruru-espelho (Claravis geoffroyi) são alguns exemplos de contribuições do naturalista que desbravou a até então pouco conhecida Mata Atlântica no estado.

Chrostowski morreu aos 44 anos, em cinco de abril de 1923, vítima de malária na última expedição dele pelo estado.

Ele foi enterrado às margens da Estrada Velha de Guarapuava, área que hoje faz parte do Parque Nacional do Iguaçu, em Matelândia, no oeste do Paraná.

Apesar da importância histórica, atualmente o local onde ele foi sepultado está destruído e abandonado, sem nenhuma indicação. Veja:

Do túmulo sobraram apenas alguns restos da estrutura que havia sido feita na epóca  — Foto: Mauricio Dezordi

Do túmulo sobraram apenas alguns restos da estrutura que havia sido feita na epóca — Foto: Mauricio Dezordi

Destino: Paraná

A partir da tradução da obra de Tadeus Chrostowski, o pesquisador Fernando Straube conta que a paixão do polonês pelo estudo das aves surgiu, muito provavelmente, pelas influências da terra natal.

O naturalista vem de uma uma região fronteiriça com a Bielorússia, considerada o pulmão da Polônia por ter uma enorme reserva natural, incluindo o chamado Parque Nacional de Bialowieza.

“Não à toa, portanto, ele foi, desde criança, um naturalista interessado em todas as formas de vida, plantas e animais, que estavam a seu alcance. Seres esses que futuramente seriam a matéria-prima para aquilo que o destino forjou em sua vocação”, afirmou Straube.

A escolha do Brasil, em especial o Paraná, para o reconhecimento de pássaros foi justamente pela grande imigração de poloneses no início do século passado. O estado tem a maior colônia polonesa do Brasil: 1,2 milhão de descendentes – 300 mil deles só em Curitiba.

Em trecho da obra cientifica, o naturalista fala sobre a escolha do Paraná como local de pesquisa:

“Sobre minhas viagens ao Paraná, ressalto que seria importante se houvesse continuidade do trabalho polonês na América do Sul. Elas têm relevância por criarem um elo de ligação entre aqueles que já partiram e aqueles que ainda irão chegar.”

Além do Brasil, o ornitólogo trabalhou durante toda vida como curador da coleção de pássaros sulamericanos do Museu de História Natural de Varsóvia. Através deste trabalho, ele pôde realizar diversas viagens para colecionar e observar a natureza em vários países.

De acordo com os registros históricos, o polonês esteve em terras paranaenses entre 1910 e 1911. Mais tarde, em 1921, retornou acompanhado dos colegas Tadeusz Jaczewski, professor de Zoologia da Universidade de Varsóvia, e Stanislaw Borécki, técnico em taxidermia do museu de Varsóvia.

Foto de 2019 de Tadeus Chrostowski (3º da esquerda para a direita) com os ornitólogos Janusz Domaniewski e Jan Sztolcman e o especialista em moluscos Wladislaw Polinski — Foto: Acervo Museu de Zoologia da Academia Polonesa de Ciências

Foto de 2019 de Tadeus Chrostowski (3º da esquerda para a direita) com os ornitólogos Janusz Domaniewski e Jan Sztolcman e o especialista em moluscos Wladislaw Polinski — Foto: Acervo Museu de Zoologia da Academia Polonesa de Ciências

A segunda viagem cortou o Paraná de leste a oeste e de norte a sul, terminando em Paranaguá em 13 de outubro de 1923.

Straube afirma que a expedição não foi importante apenas para a ornitologia, mas também para a história do estado.

“Contribuíram para o conhecimento geográfico, pois exploraram regiões onde poucos estudiosos haviam visitado. E, claro, seus relatos são importantes para a História, pois trazem narrativas preciosas de como era o Paraná nos anos 1910 e 1920, seu povo, costumes e também as colônias de imigrantes poloneses”, explicou Straube.

Encantado pelos bichos do Paraná

Os relatos de Chrostowski sobre as aves encontradas em diversos locais do Paraná mostram o total encantamento do estudioso pelos pássaros paranaenses. Para além da linguagem científica, o ornitólogo escrevia de forma poética sobre as descobertas.

Em um dos trechos, ele descreve o momento em que observou o pica-pau, o Picumnus iheringi:

“Ao retornar [para casa] obtive um dos meus exemplares mais preciosos, cuja presença no Paraná sequer era imaginada. No topo de uma árvore, que crescia perto do rio, havia um som tamborilado parecido com aqueles que são característicos dos picapaus, quando batem com grande rapidez em um galho seco.”

O polonês prossegue contando como, inicialmente, apenas ouvia o pássaro e não o enxergava. Segundo o registro, o pesquisador usou o que chamou de “método usual”: se jogou no chão, de costas, e começou a procurar o bicho entre as folhas.

“Depois de algum tempo eu notei uma figura de um pequeno pica-pau que, com grande avidez, desferia pancadas contra a parte superior do tronco da árvore. […] Com enorme alegria e surpresa sem precedentes deparei-me com um pica-pau extremamente raro, o Picumnus iheringi.”

Chrostowski foi responsável por descobertas como a interação obrigatória entre o grimpeiro (Leptasthenura setaria) e o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia).

“A sua vida está completamente relacionada com a existência de pinheiros, que fornecem seu alimento na forma de minúsculos besouros, dos quais se alimenta exclusivamente. Mantêm-se essas aves em casais, raramente individualmente, nas bordas de florestas”, diz um dos registros.

Em uma noite sozinho na Mata Atlântica paranaense, Chrostowski refletia sobre a solidão que por vezes sentia, mas logo percebeu que ali não estava só após ouvir o grito de uma coruja.

“Este poderoso momento chocante da floresta brasileira causou-me sentimentos de ansiedade e medo. Um último acorde ainda ouvi antes de dormir, com o poderoso grito de uma coruja, como se fosse o lamento de surpresa ao encontrar uma fogueira sozinha, já não mais com a presença de um homem solitário.”

Imagem ilustrativa do paruru-espelho (Claravis geoffroyi), ave já exista, vista por Chrostowski  — Foto: Parque das Aves/Divulgação
Imagem ilustrativa do paruru-espelho (Claravis geoffroyi), ave já exista, vista por Chrostowski — Foto: Parque das Aves/Divulgação

Expedição para encontrar o túmulo

Em meio à mata do Parque Nacional do Iguaçu, da antiga estrutura erguida pela União Central Polonesa em homenagem à Chrostowski, restam apenas algumas pedras cobertas pela vegetação nativa.

O historiador e professor Maurício Dezordi encontrou a sepultura do ornitólogo durante uma expedição com voluntários. Veja no vídeo abaixo:

“Tinha uma identificação, tinha tudo bonitinho, uma estrutura, mas sobrou somente a base da estrutura. Eu encontrei uma gravura em um artigo de um historiador já falecido e essa gravura mostra o estado original dessa estrutura, identificada em 1931 pela União Central Polonesa e onde veio a se instalar mais tarde o Parque Nacional do Iguaçu”, explicou o historiador.

Para chegar ao local, Dezordi conta que utilizou livros e anotações da época, como um livro escrito pelo tenente João Cabanas sobre conflitos no oeste do estado na passagem da Coluna Prestes pela região, na década de 1920.

O material, descoberto há quatro anos pelo historiador, citava comunidades rurais existentes até hoje na região onde o corpo foi enterrado.

“Acabei percebendo que ele fazia menção a algumas localidades do interior de Matelândia e Céu Azul, na estrada velha de Guarapuava, e são os mesmos nomes que permanecem nessas localidades. Eu fiquei encucado com isso. Pensei que se em 1924, 1925, esses locais já tinham esses nomes, então já tinha gente morando ali nessas localidades”, explicou.

Monumento erguido em 1931 pela União Central Polonesa, em homenagem a Tadeus Chrostowski — Foto: Acervo

Monumento erguido em 1931 pela União Central Polonesa, em homenagem a Tadeus Chrostowski — Foto: Acervo

Após conversar com moradores da região, ele soube de uma “sepultura misteriosa” onde estaria enterrado um polonês. Ele não teve dúvida de que se tratava de Chrostowski e intensificou as pesquisas para tentar encontrar onde ficava o monumento erguido em homenagem ao naturalista.

Foi quando Dezordi teve contato com o livro do naturalista, já traduzido para o português por Fernando Straube. Na obra, todos os locais percorridos por Chrostowski no estado foram anotados, com linhas de X, em uma mapa que consta no livro.

As viagens pelo estado alternavam entre caminhadas, cavalgadas e trajetos de pequenas embarcações.

No mapa abaixo você vê o itinerário de Chrostowski nas duas viagens ao Paraná:

Locais percorridos por Chrostowski nas suas duas viagens ao Paraná — Foto: Livro Ruínas e Urubus: História da Ornitologia do Paraná

Locais percorridos por Chrostowski nas suas duas viagens ao Paraná — Foto: Livro Ruínas e Urubus: História da Ornitologia do Paraná

As anotações de Chrostowski foram fundamentais para encontrar a sepultura em meio ao Parque Nacional do Iguaçu. Após um período cruzando informações, o local foi identificado.

“Foi gratificante, emocionante poder encontrar o que talvez a gente não esperasse encontrar. […] A emoção foi grande, porque é o reconhecimento de um trabalho, há muito tempo a gente estava em busca disso”, afirmou Dezordi.

Straube destaca também a “coincidência” de o jazigo estar no Parque Nacional do Iguaçu: “Um lugar apropriadíssimo para o descanso de um dos primeiros cientistas a estudar a fauna paranaense”.

Luta para transformar local em memorial

O professor contou que, desde que encontrou a sepultura, retornou ao local algumas vezes. Ele conta que já obteve autorização para identificar o local.

O maior desafio, segundo ele, é conseguir verba para construir um memorial no local em homenagem à Chrostowski. A esperança dele é firmar uma parceria com o consulado polonês.

Para Straube, tradutor da obra do ornitólogo, construir o memorial significa dar ao percursor de estudos sobre aves do estado a “importância que merece”.

“Seria ótimo conseguir recursos para isso, que trará não somente um reconhecimento ao seu trabalho, mas também um ponto para ampliar o ecoturismo local. Afinal, é um grande cientista, que estudou a natureza do Brasil, que está ali enterrado. É motivo para preocupação e recuperação de seu jazigo, dando-lhe a importância que merece”, afrimou Straube.

Professor Maurício Dezordi e um voluntário durante expedição para encontrar local onde ornitólogo foi sepultado  — Foto: Arquivo pessoal

Professor Maurício Dezordi e um voluntário durante expedição para encontrar local onde ornitólogo foi sepultado — Foto: Arquivo pessoal

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