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D Marquez

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Como a Turquia de Erdogan virou a dor de cabeça da Otan

Após anunciar apoio à adesão de Finlândia e Suécia à aliança militar, presidente turco Erdogan reforçou peso político de seu país

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|Foto: REUTERS/Violeta Santos Moura|
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A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) convidou formalmente a Finlândia e a Suécia a se juntarem à aliança na quarta-feira (29), depois de a Turquia ter retirado sua oposição ao tema. Foi um árduo processo que serviu para lembrar a aliança de suas fissuras mais profundas.

O presidente finlandês Sauli Niinistö disse que o governo turco havia concordado em apoiar as propostas de adesão do seu país e da Suécia, eliminando um grande obstáculo aos dois países que aderiram à Otan.

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Embora o movimento tenha sido uma grande vitória para a Otan e um revés para a Rússia, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, não cedeu sem reforçar sua parcela no peso político de seu país na aliança.

Antes de assinar um memorando conjunto com as duas nações nórdicas, Erdogan declarou na terça-feira que a Otan “não pode se dar ao luxo” de perder a Turquia como membro.

A fala do presidente foi uma resposta à frustração na aliança ocidental sobre a oposição do governo turco à admissão dos dois países tradicionalmente neutros que se sentiam obrigados a aderir ao grupo por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A Turquia virou uma dor de cabeça para a Otan. Mas os recentes acontecimentos geopolíticos mostraram que essa é uma dor que a aliança terá de tolerar. Especialistas dizem que Erdogan sabe disso muito bem e usou o lugar do seu país no grupo para sedimentar seus interesses nacionais.

Numa guerra europeia que se tornou essencialmente um conflito entre o governo russo e a Otan, a Turquia se posicionou como uma parte neutra, optando por não se juntar aos seus aliados nas sanções à Rússia e se oferecendo como mediadora entre as partes em conflito. Ela apoiou a Ucrânia na guerra, mas teve o cuidado de não antagonizar o governo russo.

Para os especialistas, a Turquia é hoje mais valiosa do que nunca para a OTAN. O país fica na ponta sudeste da aliança, uma área estratégica entre a Rússia e o Ocidente. Além disso, a Turquia mantém o segundo maior exército da aliança depois dos EUA, e faz fronteira com uma parte dos países do Oriente Médio com histórico de instabilidade política e onde os estados ocidentais têm interesses importantes.

O governo turco, no entanto, nem sempre foi um espinho entalado na garganta da aliança.

A Turquia aderiu à Otan em 1952, três anos depois da sua formação no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, e considera que a aliança é “a pedra angular” da sua política de defesa e segurança. Mas analistas e historiadores dizem que, embora a Turquia tenha servido historicamente aos interesses estratégicos do grupo, ela se tornou uma força disruptiva sob o governo de Erdogan.

O atual presidente serviu como primeiro-ministro de 2003 a 2014, e ocupa a presidência desde 2014.

“Durante a Guerra Fria, a Turquia estava bem incorporada nas infraestruturas de segurança ocidentais”, lembrou Oya Dursun-Ozkanca, professora de ciência política da Elizabethtown College, na Pensilvânia, e autora de “Turkey-West Relations: The Politics of Intra-Alliance Opposition” (“Relações Turquia-Ocidente: A política da oposição intra-aliança”, sem tradução no Brasil). Ela acrescentou que o país fora um aliado ocidental “bastante confiável” por mais de meio século.

A frequência e a intensidade dos desacordos entre a Turquia e os aliados da Otan aumentaram, no entanto, ao longo do tempo, à medida que governo adotou posições proativas e antiocidentais em matéria de política externa.

Erdogan discordou dos aliados da Otan em várias questões, incluindo a Síria e a Líbia, e utilizou a localização estratégica do seu país para extrair concessões dos seus vizinhos europeus, ameaçando abrir as portas dos refugiados vindos das zonas de conflito vizinhas.

Em 2009, a Turquia se opôs à nomeação de Anders Fogh Rasmussen, da Dinamarca, como chefe da Otan até que o então presidente dos EUA, Barack Obama, prometesse que um dos vices de Rasmussen fosse um turco. A Turquia argumentava à época que a forma como Rasmussen havia lidado com as ofensas ao Profeta Maomé num jornal dinamarquês em 2006 era problemática.

Em uma jogada em 2019 que deve ter sido a mais ousada e controversa nesse relacionamento, a Turquia comprou o sistema russo de defesa antimíssil S-400, questionando uma aliança de décadas com os EUA e a Otan. Os mísseis S-400 foram concebidos para derrubar aviões da Otan.

Sinan Ulgen, um antigo diplomata turco e presidente do grupo de estudos EDAM, de Istambul, disse que a “tomada de decisões hipercentralizadas” de Erdogan e o seu estilo de liderança “combativo, e menos consensual” tem causado dificuldades à Otan. “É também um reflexo do aumento da imprevisibilidade da política externa turca”, completou.

No entanto, os especialistas dizem que é natural que um membro de uma aliança priorize os interesses nacionais onde puder. O problema surge quando esses interesses divergem da agenda da Otan.

“Os turcos complicam a tomada de decisões baseada no consenso da Otan porque se recusam a seguir com o fluxo até que os interesses nacionais estejam satisfeitos”, disse Rich Outzen, membro sênior do Conselho do Atlântico em Washington, EUA, e antigo oficial do Departamento de Estado e das Forças Armadas dos EUA.

“Não é um mau comportamento na aliança; é um comportamento típico na aliança de estados que têm o peso para jogar com ela”, acrescentou.

Embora a Turquia compreenda o seu valor para a Otan, ela também vê o seu próprio benefício na sua adesão, segundo os analistas. O governo turco procurou a Otan mais de uma vez para o apoio estratégico à segurança, afirmou Ulgen. “É uma relação de segurança e política que é mutuamente benéfica.

Em última análise, Turkiye e Otan precisam uns dos outros”, comentou, usando o novo nome do país.

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