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O caso da menina imigrante de 9 anos detida há mais de 500 dias pelos Estados Unidos

No dia 5 de fevereiro, fez 534 dias que elas estão sob custódia do governo dos Estados Unidos

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Pela lei, os menores não devem ficar mais de 20 dias sob custódia das autoridades migratórias americanas (Getty Imagem)
Rui Barbosa

Luisa* tem uma voz doce e animada. Às vezes, costuma soltar expressões como se fosse adulta, ainda que tenha apenas 9 anos.Isso se deve, talvez, ao fato de que, apesar da idade, ela esteja acostumada a escrever cartas a parlamentares que não conhece pedindo que seja liberada, junto da mãe, do centro de detenção para famílias migrantes no qual se encontra há quase um ano e meio.

No dia 5 de fevereiro, fez 534 dias que elas estão sob custódia do governo dos Estados Unidos.

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Natural de El Salvador, Luisa é a criança que está por mais tempo sob poder do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos (Immigration and Customs Enforcement, ou ICE), de acordo com as estimativas feitas por organizações que proveem serviços legais nos três centros que abrigam famílias de migrantes no país — dois no Texas, um na Pensilvânia.

Em quase todo o período, ela esteve no Centro Residencial Familiar do Sul do Texas, conhecido na região como Dilley.

Todas as minhas amigas foram embora e fiquei sozinha aqui com uma outra amiga”, diz Luiza, do outro lado da linha.

As regras expressas no Acordo Flores, vigente desde 1997, limita o tempo máximo de detenção de menores a 20 dias.

Este não foi, entretanto, o caso de Luisa e de mais outro quatro jovens (assim como suas mães), em idades entre 3 e 16 anos, que acumulam mais de 500 dias no mesmo centro.

Apesar de a menina ter tido a possibilidade de sair para ficar sob os cuidados de algum familiar em território americano, ela e a mãe preferiram não se separar enquanto lutam para evitar a deportação.

Desde que começou seu governo, em 20 de janeiro, o presidente Joe Biden tomou diversas medidas que revertem políticas do antecessor, Donald Trump, que promoviam a separação de famílias de migrantes e deportações.

Ainda assim, ele advertiu que esse processo deve levar algum tempo até que seja concluído.

O caso de Luisa e sua mãe revela uma complicada e, para muitos, disfuncional política migratória que se agravou na era Trump e acabou sendo herdada por Biden.

Esta é sua história.

*Tanto Luisa quanto a mãe, Ariana, têm nomes fictícios nesta reportagem. Elas pediram para ter a identidade preservada porque correm risco de deportação.

Por que ela está detida há tanto tempo?

Ambas testemunharam, no último ano, como o centro foi esvaziando, à medida que a pandemia recrudescia e o ICE liberava e deportava as famílias.

Ao mesmo tempo, o governo americano começou a expulsar a maioria dos migrantes que chegava até a fronteira, uma decisão polêmica que foi questionada por organismos de defesa dos direitos humanos.

Em 1º de julho do ano passado havia 138 famílias detidas, com 139 crianças entre os três centros, conforme a agência de notícias AP.

Em Dilley, uma instituição que funciona com fins lucrativos e tem capacidade para 2,4 mil pessoas, atualmente há em torno de 54 famílias, de acordo com as estimativas de Mackenzie Levy, uma das representantes legais de Ariana.

O ICE manteve as famílias detidas mesmo depois da ordem expedida por uma juíza em junho de 2020 que determinava a saída das crianças, como consequência do aumento de casos de covid-19 nas instalações.

Em sua decisão, Dolly Gee recomendou que os pequenos fossem liberados junto com os pais ou entregues a familiares que pudessem ser seus guardiões. Ela está encarregada de observar o cumprimento do Acordo Flores, mas não tem, contudo, autoridade sobre a situação dos adultos.

Uma outra juíza federal, por sua vez, decidiu contra a libertação dos pais e o ICE, que tem o poder de fazê-lo, também negou a possibilidade.

Isso acabou criando uma situação preocupante, dizem os defensores das famílias — filhos separados dos pais, que seguem detidos e sob risco de deportação.

O ICE havia sido duramente criticado em 2018 quando colocou em prática uma política de “tolerância zero” implementada pela gestão Trump e passou a separar milhares de crianças migrantes de seus pais.

O governo e o conselho encarregado de garantir o direito dos menores estão hoje discutindo um processo que facilite a liberação das crianças com a permissão dos pais.

Asilo negado

Os advogados de Ariana argumentam que não lhe foi dada uma oportunidade justa para que ela pedisse asilo. Por causa de uma série de políticas instituídas por Trump, dizem, mãe e filha foram consideradas ilegais.

Sem querer expor detalhes, a salvadorenha diz que fugia de uma situação de violência em El Salvador quando decidiu deixar dois de seus filhos em seu país natal e migrar com Luisa.

Em 21 de agosto de 2019, elas cruzaram a fronteira entre o México e os Estados Unidos e, no dia 27, foram levadas às instalações de Dilley. Dois dias depois, foram entrevistadas por um funcionário do governo.

Segundo Levy, a base legal usada para a negação do pedido de asilo foi de que mãe e filha não cumpriram a determinação de fazer a solicitação a partir do México ou da Guatemala antes de fazê-la em território americano.

Seus advogados fizeram uma apelação ante um juiz de imigração em setembro, que ratificou a decisão de lhe negar o asilo e ordenar a deportação.

Ariana chegou apenas uma semana depois do início da vigência do acordo de “terceiro país seguro”, firmado pelos EUA com vários países da América Central e o México.

O governo Trump defendia que o acordo buscava identificar de maneira mais eficiente “quem estivesse usando de forma errada o sistema de asilo como ferramenta para entrar e permanecer no país”.

A medida foi implementada quando milhares de famílias migravam em direção aos EUA fugindo da violência e da pobreza em seus países.

Ainda que um painel de três juízes de uma corte de apelação tenha determinado em julho do ano passado que a mudança no processo de pedido de asilo era ilegal, casos como o de Ariana foram submetidos à nova política.

Os representantes da salvadorenha pedem que seja outorgada a ela uma ordem para apresentar sua solicitação a um juiz de imigração.

Consultado sobre o caso, o ICE respondeu à BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, que não pode discutir sobre assuntos que estão sob sigilo.

FONTE: BBC News

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