Agronegócio
Multas aplicadas pelo IAT nos últimos 16 anos somam mais de R$1,1 bi no Paraná
Burocracia e sucateamento de órgãos ambientais estão entre explicações da quantia de multas não pagas
Nos últimos 16 anos as multas ambientais aplicadas no Paraná pelo Instituto Água e Terra (IAT) somaram mais de R$ 1,1 bilhão. Porém, ao g1 o órgão informa que a quantia de fato paga pelos infratores chega a 10% do total – cerca de R$ 101 milhões.
O IAT faz parte da Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo e afirma que, de janeiro de 2005 a abril deste ano, foram emitidas 42.117 autuações.
Os crimes ambientais mais comuns no período são relacionados a danos contra a flora, como desmatamento ilegal, corte de árvores isoladas de espécies nativas e protegidas e corte de vegetação nativa em área de preservação permanente. Essas infrações representam 34,8% das autuações.
Veja abaixo os crimes registrados no período, segundo o IAT:
Crimes Ambientais no Paraná (2005-2022)
Tipo de crime | Autuações | Porcentagem |
Danos contra a flora: desmatamento ilegal, corte de arvores isoladas de espécies nativas, especialmente protegidas, corte de vegetação nativa em área de preservação permanente | 25.938 | 34,86% |
Danos contra a fauna: caça, manutenção em cativeiro e maus tratos | 5.078 | 6,97% |
Atividades potencialmente poluidoras, empreendimentos industriais e de serviços | 4.870 | 6,68% |
Atividades relacionadas à pesca ilegal | 3.465 | 4,76% |
Desrespeito à autoridade ambiental (não atendimento a notificações, desrespeito a embargo,etc) | 1.793 | 2,46% |
Atividades ilegais de mineração | 973 | 1,34% |
O termo “autuação” é usado por haver possibilidade de recurso, fazendo com que nem todas cheguem a virar multas, conforme explica o professor Paulo de Tarso Pires, do Departamento de Economia e Extensão Rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“O órgão aplica a autuação, e a pessoa pode ingressar com recurso na Justiça ou administrativamente e pode recorrer em segunda instância. Então, será uma multa a ser paga quando não tiver mais recursos disponíveis,” explica o professor.
Desigualdades: o perfil do infrator que paga multa
Paulo de Tarso Pires afirma que uma das explicações para a proporção de multas que chegam a ser pagas está na desigualdade social gritante no estado e no país.
Enquanto pequenos produtores veem o sustento deles ser prejudicado caso não paguem as penalidades, grandes empresas e donos de grandes latifúndios têm assessoria jurídica especializada.
Assim, explica o professor, ganham tempo recorrendo e, por vezes, a prescrição dos crimes – quando o processo ultrapassa cinco anos.
“O pequeno produtor, agricultor, empreendedor, ele acaba pagando a multa. O grau de risco para ele, de ter uma paralisação no seu negócio, ou mesmo de ter um custo muito alto para o pagamento de uma multa, é muito relevante e acaba impactando diretamente no negócio dele. Já as grandes indústrias, os grandes conglomerados, o grande produtor, ele tem uma estrutura com advogados preparados para apresentar uma defesa. Nesse caso, muitas vezes, para eles pelo custo alto das multas, vale mais a pena judicializar, tomar medidas que sejam administrativas, que sejam protelatórias,” destaca Tarso.
O sucateamento dos órgãos ambientais
O especialista destaca também a falta de profissionais e de recursos financeiros nos órgãos ambientais – estaduais e federais -, dificultando a fiscalização e a punição dos envolvidos em crimes contra o meio ambiente.
“Prejudica quem paga, quem se adéqua às leis. Aqueles que agem em desacordo, preferem esperar a prescrição […] Prejuízos ambientais imensos , especialmente porque o órgão não consegue acompanhar se de fato o dano foi recuperado”, comenta ele.
Para Tarso, todas estas questões, somadas a políticas públicas ambientais ineficientes, favorecem a impunidade e geram prejuízos incalculáveis ao meio ambiente.
“Quando mostramos à sociedade que o órgão ambiental deixa de cumprir seu papel na cobrança da multa, ela perde o seu caráter educacional, de repressão ao crime […] A nossa legislação é excelente, mas infelizmente mau aplicada, por vontade política e falta de estrutura”, afirma.
O especialista lembra que a arrecadação com multas vai justamente para recuperar o dano ambiental causado. Ou seja: sem o pagamento pelo dano, a recuperação do que foi degradado também é prejudicada.
Programa de conversão de multas
Decreto estadual criou em 2019 o Programa de Conversão de Multas Ambientais. A iniciativa permite substituir o pagamento da multa pela prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, informa o IAT.
As multas podem ter redução de até 60%, mas não dispensam o infrator de reparar o dano que tenha causado ao meio ambiente. A conversão não é permitida para infrações que tenham provocado morte de pessoas.
Para aderir ao programa, o infrator deve acessar o site do IAT, na aba conversão de multas.
IAT tenta educar, e não apenas fiscalizar
Conforme o IAT, com alto número de denúncias, são priorizadas as ações de combate às irregularidades. O órgão diz também realizar constantemente fiscalizações do cumprimento da regeneração de áreas destruídas.
Sobre a falta de efetivo, o IAT afirma que realizou recentemente o primeiro concurso público após 30 anos perdendo funcionários para aposentadorias, falecimentos e demissões. Segundo o instituto, os novos servidores estão passando por capacitações para atuarem nas atividades diárias do órgão.
O IAT afirmou ainda que não atua somente na fiscalização e emissão de multa, mas na educação ambiental e diversas outras atividades, como licenciamento, e que realiza diversas ações de conscientização sobre os crimes ambientais, especialmente sobre o desmatamento.
Como mudar esse cenário?
Tarso avalia que para mudar a realidade, com relação à destruição do meio ambiente, bem como a realidade dos órgãos ambientais, é necessária uma mudança de visão.
“O administrador público precisa enxergar na questão ambiental, não algo com caráter meramente punitivo, mas com caráter educacional e de transformação de mentalidade do nosso produtor rural, da nossa indústria. Só com essa mudança de mentalidade é que passamos a agir de forma mais efetiva,” destaca Tarso.
Além das multas, ele acredita que ações alternativas são necessárias para que a conservação e preservação do meio ambiente se tornem algo mais efetivo. Porém, garantindo que os danos causados sejam recuperados.
Clínica de Direito Ambiental e Florestal
No fim do ano de 2021, a UFPR inaugurou a Clínica de Direito Ambiental e Florestal. A proposta do espaço é oferecer um ambiente em que as pessoas possam conhecer melhor as leis ambientais e tirar dúvidas sobre o tema.
Os interessados podem entrar em contato através do e-mail [email protected] ou do telefone (41) 3350-5790.