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Onde está Priscila Belfort? Mãe busca filha desaparecida há quase 20 anos

Priscila Belfort é irmã do lutador de MMA Vitor Belfort

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FOTO: Internet/Reprodução
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No dia anterior, eu e Priscila dormimos na minha mãe. O Vitor ia lutar e nossa casa estava cheia de pessoas hospedadas. Foi uma noite normal. Jamais poderia esperar que uma tragédia aconteceria. A Pri acordou com cólica, mas eu a incentivei a ir ao trabalho. Dei carona, entreguei R$ 50 para ela pegar um táxi na volta para casa e a deixei na esquina do prédio em que ela trabalhava. Foi a última vez em que eu, Jovita, vi a minha filha.

Priscila Belfort é irmã do lutador de MMA Vitor Belfort. Na manhã de 9 de janeiro de 2004, a mãe dos dois, Jovita, a deixou em uma esquina da Avenida Presidente Vargas. A jovem entrou no prédio em que ficava o escritório da Secretaria de Esportes do Rio de Janeiro, onde trabalhava. Colegas contaram que Priscila saiu para almoçar e nunca mais voltou.

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Na época, tinha 29 anos. A mãe conta que ela sofria de depressão, mas que a doença estava controlada. “Ela tinha a doença, mas estava ótima na época. E não apresentava confusão mental. Nas crises, ficava triste e somente isso.”

Nos últimos 19 anos, não teve um dia em que Jovita Belfort deixou de procurar por sua filha. Nada foi encontrado. Jovita transformou sua dor em luta: sua busca mudou a estrutura da Polícia Civil no Rio de Janeiro e hoje ela trabalha no governo do estado em um órgão que cuida de casos de desaparecimentos.

O desaparecimento e o aparecimento de supostas priscilas

Jovita conta que Priscila iria almoçar com o namorado, Luiz Cláudio Corrêa Fortes, mas não chegou ao local combinado. Quando soube pelo rapaz que a filha não tinha aparecido, passou a telefonar para todos os amigos próximos e familiares: ninguém sabia de Pri. Anoiteceu e todos se reuniram para organizar as buscas.

“O Vitor e a esposa Joana [Prado, a ex-Feiticeira] chegaram em casa com o restante da família. Eu fui fazer o boletim de ocorrência. As amigas da Pri também já estavam aflitas, igual a mim. Cada uma foi para um lado: rodoviária, hospitais, IMLs. Pensávamos em acidente, sequestro relâmpago”, relembra Jovita, emocionada.

O caso tomou grandes proporções. A família espalhou cartazes pela cidade, colocou o rosto da jovem em outdoors. A foto de Priscila também apareceu na caixa dos palitos de dente Gina, em uma ação em parceria com a ONG Mães da Sé, de São Paulo.

Muitas vezes, a família foi chamada porque mulheres com as características da jovem tinham sido avistadas. Nenhuma delas era Priscila, mas cinco garotas reencontraram suas famílias graças à busca por ela: “Uma em Salvador, duas em São Paulo, uma em Brasília e uma no Rio de Janeiro”, conta Jovita.

As identificações foram feitas por fotos e vídeos. E por um dado que não costuma aparecer nos cartazes de busca: a altura: “A de Salvador, soube que não era ela porque a menina era bem mais baixa. Minha pergunta sempre se baseava na altura porque só eu sabia que ela tinha 1,70m. Mas uma coisa que me conforta, de alguma maneira, é que elas voltaram para suas casas. Um dia, quem sabe, chega a Priscila mesmo. Enquanto não há corpo, há esperança”.

A única pista até hoje não levou à conclusão do caso

O momento mais difícil de entender aconteceu em 2007, três anos após o desaparecimento. A secretária Elaine Paiva da Silva foi à Justiça se entregar. Disse ter feito parte de um sequestro, que virou assassinato. A vítima, alegou, seria Priscila. O corpo teria sido enterrado em um sítio em São Gonçalo.

As autoridades investigaram, seis suspeitos foram presos, mas nenhum corpo foi encontrado. “Fizeram uma investigação, reviraram a terra e disseram que os ossos encontrados eram de animal. Depois disso, acho que houve uma falha: não continuaram investigando ela [Elaine] e a turma”, reclama Jovita.

Todos os suspeitos foram soltos e, até hoje, não há explicação para o motivo de Elaine ter feito a denúncia. Questionada sobre o caso de Elaine e toda a investigação em relação ao desaparecimento de Priscila, a polícia disse que não pode comentar investigações em andamento.

A gente está habituado à morte. Todo mundo já sofreu com a morte, ou de algum parente, ou de algum amigo, enfim. A única coisa certa nessa vida é a morte. Todo mundo sabe o que tem que fazer, mas com desaparecimento ninguém sabe”.

“Nós somos invisíveis para a sociedade brasileira”

Quando Priscila desapareceu, o caso foi registrado na 14ª Delegacia de Polícia do Leblon, no setor de homicídios. Era o protocolo da época: sem equipes especializadas em buscar por pessoas, quem cuidava de casos assim eram policiais especializados em investigar quem já tinha morrido. “É desumano com uma mãe ir relatar sobre uma pessoa que ainda tem esperança de ser encontrada com vida e mandarem para a delegacia de homicídio”, diz Jovita. Hoje, o caso segue aberto, agora na Delegacia Antissequestro do Rio.

A falta de uma delegacia especializada em desaparecimentos era só uma das dificuldades que a matriarca dos Belfort encontrou. Não havia padronização na notificação dos casos e até hoje não foi colocado em ação um cadastro nacional de pessoas desaparecidas. Por isso, ela se tornou ativista da causa, trabalhou em ONGs de mães com filhos em situações difíceis e liderou campanhas.

Há alguns anos, uma reportagem do “Fantástico” contou a história de Jovita e Priscila e também mencionou outros casos. Naquele dia, o diretor do IML de Duque de Caxias estava acompanhando o programa e reconheceu um jovem desaparecido que teria sido enterrado como indigente. Exumaram o corpo, fizeram o DNA e o desaparecimento foi solucionado.

“Isso quer dizer o quê? Que tem muitos desaparecidos que são enterrados como indigentes, não se faz a verificação da identidade. E isso ficou na minha cabeça. Lógico, né? Podia ter acontecido com a Priscila “, alertou Jovita.

Enfim, uma delegacia só para os desaparecidos no Rio

Em 2012, Jovita foi visitar a família em Belo Horizonte (MG). Lá, conheceu uma delegacia especializada em desaparecimentos: vários profissionais trabalhando em conjunto com outras divisões da polícia, hospitais e IMLs. A mãe de Priscila levou a ideia às autoridades do Rio de Janeiro e liderou uma campanha pela criação de um sistema parecido em seu estado.

“A gente fez um abaixo-assinado, começamos em três mães. O Vitor também entrou junto, Ana Maria Braga e até o Zico. Conseguimos mais de 15 mil assinaturas pedindo essa delegacia. Quase um ano conversando com a secretaria de Polícia Civil. Eles estavam, a princípio, muito relutantes. Expliquei da delegacia de Belo Horizonte, a gente não precisava inventar a roda. A roda já foi inventada, está lá em Minas”, relembrou Jovita.

Em 2014, a Polícia Civil do Rio inaugurou a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) após uma conversa de Jovita com José Mariano Beltrame, então secretário de Segurança Pública do estado.

“A delegacia não foi um desejo do governo. Foi uma demanda social das mães capitaneada pela Jovita Belfort, que se tornou um ícone dessa luta. Ela representa muito para todas essas mães. A Jovita se tornou uma grande amiga por nos adotar como filha também” Delegada Elen Souto, à frente da DDPA desde a criação.

Segundo a delegada, no Rio de Janeiro há, em média, cerca de 150 desaparecimentos por mês e 88% das pessoas são localizadas. E apenas 8% dos casos correspondem a crimes e homicídios.

Jovita entendeu que a luta na causa de desaparecidos era a melhor maneira para lidar com a dor. Em 2019, ela assumiu a coordenação de Prevenção e Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas no Rio e hoje está na superintendência de pessoas desaparecidas e documentação civil.

“Hoje em dia, temos um trabalho muito bonito no Rio. Eu não luto pelo caso só da pessoa, eu luto pela causa porque eu sei que dor é essa. O que eu posso fazer em honra da minha dor, da Priscila, é realmente tentar melhorar essa dor e a dos familiares”.

Luto é diário

Vitor Belfort não falou com a reportagem sobre a irmã. Jovita, durante as duas horas de conversa, se emocionou muitas vezes. A família ainda vive um luto diário por não saber o que aconteceu:

Chega uma hora que a saúde não aguenta. Conheço mães que se suicidaram, que estão cegas por causa do diabetes, têm válvulas no coração. Eu falo que sou um milagre de Deus: nunca pensei que chegaria a 19 anos com esse sofrimento. Hoje, eu estou falando aqui para a reportagem em que vai aparecer a foto da Priscila. A coisa mais angustiante é não falar mais da Priscila. Então, é uma bênção essa conversa. Nós estamos falando com uma sociedade que não conhece o sofrimento do desaparecimento de alguém. Dói falar? Dói. Mas o veneno é o meu remédio.” Jovita Belfort

Brasil tem 203 casos diários de desaparecimentos

O caso de Priscila é um entre milhares de desaparecidos no Brasil atualmente. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança de 2022, nos últimos cinco anos, o Brasil registrou 203 casos diários de desaparecimentos.

O problema é que ninguém sabe exatamente quantas pessoas estão desaparecidas no país porque essas estatísticas estão espalhadas. O Anuário até monitora os dados em âmbito nacional, usando Boletins de Ocorrência das polícias civis, mas esses BOs não contam sempre toda a história.

  • Uma pessoa pode ter mais de um registro de desaparecimento, feito por parentes diferentes.
  • O mesmo BO pode informar o desaparecimento de duas ou mais pessoas.
  • Como não existe um tipo penal previsto em lei para classificação de casos de desaparecidos em âmbito nacional, esses casos acabam entram na burocracia como “fato atípico”, o que dificulta a consolidação dos dados.
  • A lei que cria o cadastro nacional de pessoas desaparecidas tem quase quatro anos, mas até hoje o site do Ministério da Justiça informa que o sistema “está em construção”. Enquanto isso, os estados cuidam do assunto usando o Programa de Localização de Identificação de Desaparecidos (PLID), que une dados de órgãos distintos, como segurança, saúde e assistência social, e alimenta o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (SiNaLID).

Djenifer Becker Osteopata
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