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Feminicídio em Curitiba evidencia necessidade de rever lei eleitoral, avaliam juristas

Suellen Rodrigues foi morta quando prisões estavam restritas

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Suellen Rodrigues tinha 29 anos — Foto: Divulgação
Velho Oeste

Suellen Helena Rodrigues foi morta a tiros na frente dos filhos em Curitiba durante o período no qual o Código Eleitoral impede a prisão de pessoas, salvo três exceções.

No dia do crime, o suspeito tinha contra si um mando de prisão em aberto por descumprir medida protetiva. Após a morte de Suellen, a Polícia Civil disse que a prisão foi dificultada pela regra eleitoral vigente naqueles dias.

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Juristas avaliam que o episódio evidenciou a necessidade de revisão do Código Eleitoral para contemplar questões de combate à violência doméstica.

O que diz o Código Eleitoral:

O artigo 236 impede a atuação de forças policiais na prisão de eleitores de 5 dias antes das eleições a 48 horas depois do pleito. Neste período, há apenas três casos em que a prisão é autorizada:

  • flagrante de crime, quando alguém é surpreendido cometendo uma infração ou logo após cometê-la;
  • em caso de sentença criminal condenatória por crime inafiançável (racismo, tortura, tráfico de drogas, crimes hediondos, terrorismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional);
  • autoridade que desobedecer salvo-conduto.

No segundo turno das últimas eleições, o período de restrições pela lei eleitoral foi de 25 de outubro a 1º de novembro.

Suellen foi morta a tiros em 31 de outubro, na frente dos dois filhos, quando deixava as crianças na escola. O suspeito é o ex-marido Jaminus Quedaros de Aquino, advogado e ex-policial civil. Uma câmera de segurança flagrou o crime.

O mandado mandado de prisão em aberto contra o advogado foi expedido pela Justiça em 24 de outubro.

Da expedição do mandado de prisão até a morte de Suellen, seis dias se passaram sem a polícia conseguir executar a prisão de Jaminus.

Após o assassinato de Suellen, o advogado de defesa da família, Jackson William Bahls Rodrigues, disse que a vítima tinha esgotado todos os mecanismos jurídicos disponíveis para fugir do ciclo da violência doméstica.

O advogado afirmou que ela registrou boletim de ocorrência, pediu medida protetiva, acionou a polícia quando o ex-marido violou a medida, e até mudou de cidade com os filhos para fugir das ameaças.

Na época, lei pretendia barrar poder dos coronéis

A advogada Nahomi Helena de Santana, membro do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade) e especialista em direitos humanos, avalia que, no atual contexto social de enfrentamento à violência doméstica, o Código Eleitoral já deveria ter passado por atualização para coibir crimes como o registrado na capital paranaense.

Ela destaca que o Código Eleitoral é de 1932. Na época, explica, o trecho que restringe as prisões foi redigido com o objetivo específico de combater o coronelismo e garantir que os eleitores pudessem ir votar.

“O artigo tenta imaginar, a partir daquele contexto, o que vai ser necessário para que o eleitor e a eleitora tenham esta segurança, do voto. E não há como imaginar que em 1932 existia um diálogo sério, ou ao menos uma compreensão da dimensão da violência doméstica, ou como isso se articulava. Muito pelo contrário, ela era aceita como para muitas pessoas ainda é nos dias de hoje.”

Atualização das leis

A especialista em direito das mulheres e coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher do Paraná, advogada Alessandra Abraão, reforçou que há um movimento natural para atualizar as leis e acompanhar os novos problemas debatidos na sociedade.

Porém, afirma a coordenadora, muitas vezes as propostas de mudanças só são feitas depois que crimes acontecem e evidenciam os problemas ou contradições.

“A representação feminina para criação de leis ainda é muito pequena. Então as leis são feitas, planejadas, executadas por homens. Eu costumo dizer que você precisa ser para você ver certos defeitos, até mesmo na Rede de Proteção às Mulheres e nas legislações, e eu acho que é isso que aconteceu nesse caso. Nenhuma pessoa ali envolvida conseguiu visualizar essa restrição que a legislação põe nestes casos de violência doméstica. Essas legislações precisam mudar de acordo com as necessidades dessas mulheres”.

Maria da Penha ‘congelada’

A coordenadora da Comissão de Estudos de Violência de Gênero da OAB Paraná, advogada Nanci da Luz, destaca que o Código Eleitoral e o artigo que restringe as prisões temporariamente é anterior à Lei Maria da Penha e à Lei do Feminicídio.

“Há que se pensar em um conjunto e que, nesse momento, que é de cinco dias que deveria garantir essa questão do voto, sem essa interferência, ele não pode ser interpretado como um período onde se pode matar, ou mesmo tendo risco de vida às mulheres, você congelar a Lei Maria da Penha.”

A advogada Nahomi Santana ressalta que interpretações do código eleitoral atual até podem permitir prisões no período de restrição, especialmente em casos de garantia à vida e de direitos de minorias sociais, como mulheres.

“Porque, se o descumprimento de medidas protetivas sucessivamente não caracteriza um perigo iminente e um flagrante-delito por parte daquele homem que é infrator e que é o homem que está colocando em risco a vida da sua ex-mulher, então realmente nós acabamos incorrendo em uma interpretação, a meu ver, inconstitucional do nosso código”, avalia a advogada.

Ainda assim, há consenso entre as juristas ouvidas pelo g1 da necessidade de revisão do Código Eleitoral. As mudanças, afirma, devem abranger especialmente trechos conflitantes com novas legislações.

A advogada Nanci da Luz complementa que, na interpretação de leis, deve prevalecer a garantia à vida.

“Considerando que ele [Código Eleitoral] é anterior a Lei Maria da Penha, considerando que ele é anterior a Constituição Federal, nós poderíamos ter uma interpretação favorável na perspectiva de salvar as vidas das mulheres. Como agente está tratando de um direito fundamental à vida, tem que fazer a alteração sim. Não haveria necessidade se todas as delegacias tivessem perspectiva de gênero, mas no nosso país nós precisamos […] Se há três casos que ali que são exceções, basta acrescentar um a mais, para que a gente possa ter a garantia das mulheres”.

Tentativa de mudança do Código Eleitoral

A Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) informou que oficiou a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados pedindo o protocolo de um projeto que contemple a mudança do Código Eleitoral a fim de coibir crimes contra mulheres.

O advogado de defesa da família de Suellen afirmou, também, que iniciou um processo de oficiar parlamentares para reforçar a necessidade de mudar a lei.

“Uma mulher morreu por conta disso. Queremos um projeto de lei com o nome Suellen Helena Rodrigues para que a família tenha em mente que a filha deles não morreu em vão, mas iniciou uma luta”, disse Jackson William Bahls Rodrigues.

Até esta quarta-feira (9), levantamento realizado pelo g1 na Câmara dos Deputados e no Senado Federal indica que não há projetos em tramitação que incluam no Código Eleitoral, entre as exceções, a prisão de agressões que descumpram medidas protetivas, a exemplo do ex-marido de Suellen.

No entanto, na Câmara há pelo menos 17 projetos de lei que tentam flexibilizar o artigo que impede as prisões, mas nenhum deles cita questões de gênero. O número foi levantado pela Secretaria da Mulher da Câmara.

No Senado, entretanto, um projeto de lei do senador Flávio Arns (Podemos-PR) propõe mudar o Código Eleitoral no trecho que impede as prisões, acrescentando um artigo restringiria a impossibilidade de prisões apenas a crimes eleitorais.

A assessoria legislativa do parlamentar explica como o projeto funcionaria em casos de violência doméstica, se aprovado.

Em um feminicídio sem flagrante, por exemplo, o suspeito não seria “beneficiado” por nenhuma salvaguarda eleitoral, porque o crime não teria relação com o Código Eleitoral.

“O objetivo do PL é restringir o benefício da salvaguarda eleitoral para delitos diretamente associados às eleições em curso […] Se o PL estivesse em vigor, o benefício não seria aplicado a ele [suspeito], porque o crime cometido não tem relação com o processo eleitoral. Apenas delitos diretamente associados ao processo eleitoral seriam abrangidos pela salvaguarda, como, por exemplo, crime de Caixa 2”.

A proposta tramita desde 2019 e não há previsão de ser apreciada em plenário.

Código poderia citar Lei Maria da Penha

Para especialista Alessandra Abraão, uma possibilidade de alteração seria o Código Eleitoral passar a considerar como exceção os crimes previstos na Lei Maria da Penha.

A advogada Nahomi cita também a necessidade de o debate sobre uma atualização considerar “quais vidas estão sendo colocadas em cheque” com a lei eleitoral.

“A partir do momento em que nós constatamos que existe um contexto de violência taxada, que existe um contexto de perigo iminente, principalmente no caso de grupos que são mais vulneráveis, população LGBTI, mulheres, população negra, esses contextos precisam ser considerados pelos nossos legisladores […] Essa população que também não tem só o direito de votar, mas de permanecer viva.”

Ex-marido se entregou à polícia dias após matar Suellen

Jaminus Quedaros se entregou à polícia quatro dias após o crime, na quinta-feira (3), acompanhado dos advogados de defesa.

Segundo a polícia, após se apresentar, o suspeito foi conduzido ao Complexo Médico-Penal em Pinhais, na Região Metropolitana da capital. Ele permanece preso.

Os advogados de defesa de Jaminus, Elson Marcelino e Tainan Laskos, afirmaram por meio de nota que houve negociação com a polícia antes da apresentação de Jaminus, para garantir que o suspeito ficasse em um local adequado por ser ex-policial civil.

Em nota, a defesa de Jaminus disse que ele aguarda os andamentos processuais normais. O advogado Elson afirmou que trabalha “juntando elementos” para, no momento oportuno, “explicar todos os pontos” sobre o caso.

Advogado se entregou à polícia depois de ficar quatro dias foragido — Foto: Divulgação
Advogado se entregou à polícia depois de ficar quatro dias foragido — Foto: Divulgação

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