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Rui Barbosa

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Estudante de geografia com paralisia cerebral se forma na UFPR: ‘Médico falou que eu ia ser um alface em cima de uma cama’

Emanuelle Aguiar de Araújo tem 29 anos. Ela é a primeira estudante com paralisia cerebral a se formar pelo Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e a segunda de toda a instituição

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|Foto: Arquivo Pessoal|
SF CONSTRUTORA NOTICIA

Durante a semana trabalho, terapia, aula. Aos fins de semana, descansar e sair com os amigos. Esta é a rotina de Emanuelle Aguiar de Araújo, a quem todos chamam de Manu.

A rotina coloca à prova uma previsão feita por um médico para a mãe da jovem, quando Manu tinha apenas um ano e foi diagnosticada com paralisia cerebral.

Ótica da Visão

“O médico falou para a minha mãe que eu tinha paralisia cerebral, que eu não ia andar, não ia falar que eu ia ser um alface em cima de uma cama”, conta Araújo.

Moradora de Matinhos, no litoral, Manu é a primeira estudante com paralisia cerebral a se formar pelo Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e a segunda de toda a instituição.

Aos 29 anos, ela assinou o diploma de Licenciatura em Geografia no último dia 20 de setembro. A data de recebimento do documento foi definida como “simbólica” pela jovem, por ser um dia antes do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

“Só a educação inclusiva transforma a sociedade. As pessoas com deficiência têm direito de estarem incluídas em um ambiente escolar acessível, inclusivo, com pessoas com e sem deficiência. A gente só aprende a conviver com as diferenças se as diferenças estiverem todas juntas”, relata a jovem.

A jovem explica que, por conta da paralisia cerebral, ela tem mobilidade reduzida, espasmos involuntários e dificuldade na fala. Porém nenhum destes aspectos impediram Manu de alcançar sonhos: esta é a segunda graduação dela, que também é formada em Gestão de Recursos Humanos por uma universidade privada.

Ela detalhou que é a primeira pessoa da família a conquistar um diploma de ensino superior.

“Não é uma conquista só minha e da minha família. Foi uma construção conjunta. É uma conquista também do movimento de pessoas com deficiência no país, porque historicamente a gente é muito excluído, é muito desacreditado, e a gente está ai mostrando que com a educação inclusiva e de qualidade é possível sim”, comemora Manu.

Diagnóstico

Manu conta que a paralisia cerebral foi causada por um atraso no parto.

“A bolsa da minha mãe rompeu às 10h e o médico só foi fazer o parto às 23h. Devido a toda essa demora, faltou oxigenação no cérebro, o que ocasionou a paralisia cerebral”, explica.

Adriana Rafael de Aguiar Marcos, mãe de Manu, conta que após o nascimento, familiares notaram sinais que indicavam que a saúde da criança precisava de atenção e a orientaram a buscar um médico.

O diagnóstico veio apenas um ano e três meses depois, após uma série de consultas em um hospital de Curitiba. A mãe lembra que quando a família recebeu o diagnóstico, o médico afirmou que Manu seria como “um alface”.

“Aquilo me chocou muito, ele não teve muito tato naquele momento. Quando eu saí de lá, saí muito assustada. Cheguei em casa, chorei muito, fiquei muito triste. Mas fiquei nessa tristeza uns três dias, até que falei assim: ‘Se eu ficar aqui chorando essa situação não vai mudar, então eu tenho que fazer alguma coisa por ela, porque ela só tem a mim”, relembrou a mãe.

Tratamento

Após o diagnóstico, Manu passou a fazer um tratamento na Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Matinhos. No local, ela teve acesso a fisioterapias, fonoaudiologia, e outros tratamentos necessários para o estímulo adequado.

“Com isso eu fui me desenvolvendo no tempo esperado de uma criança. E aí eu comecei a andar com quatro anos de idade”, conta a jovem.

Para a mãe, o momento dos primeiros passos da filha foi marcante.

“Quando ela deu os primeiros passos foi uma alegria para a gente. Ela deu aqueles passinhos meio desengonçados, mas a partir dali o mundo se abriu para ela”, relembra Adriana.

Educação

Manu completou idade para entrar na escola na mesma época em que foi aprovada a Lei nº 9.394/1996, que institui que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado e gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Adriana conta que, na época, foi incentivada por funcionários da Apae a matricular a filha no ensino regular, para que Manu continuasse se desenvolvendo e tivesse contato com outras crianças.

Segundo Adriana, a decisão deu origem a uma saga: ela conta que passou por duas escolas municipais e uma particular que afirmaram que não poderiam receber Manu porque “não estavam preparadas para receber uma criança assim”.

Frustrada com as respostas negativas, a mãe mudou a estratégia: só contou que a filha tinha paralisia cerebral após confirmar a disponibilidade da vaga.

“A diretora da época disse ‘traz ela e a gente vê o que a gente faz'”, relembra Adriana.

De acordo com a mãe, até o segundo ano tudo ocorreu bem, apesar de a filha ter dificuldades para escrever, ela foi alfabetizada e aprendia no mesmo ritmo de outros alunos da turma.

‘Resistência’

Adriana conta que ao chegar no terceiro ano, Manu enfrentou resistência de uma professora.

“Chegou no terceiro ano, era uma professora que não era aberta a inclusão. Ela reprovou a Manu porque ela não entendia a letra da Manu”, conta a mãe.

Manu teve que repetir o ano escolar e trocou de professora. A mãe conta que a nova educadora chegou a questionar o porquê da criança ter reprovado, uma vez que sabia todo o conteúdo que estava sendo ensinado.

Mais tarde, durante a graduação de geografia, Manu lembra que encontrou obstáculos logo na primeira semana de aula. Ela conta que as aulas do curso eram lecionadas em salas do terceiro andar do prédio da instituição e por conta da mobilidade reduzida, a jovem dependia do elevador para chegar até as salas.

Entretanto, no segundo dia de aula o elevador parou de funcionar.

“Esse elevador ficou quase 70 dias parado, o que causou um transtorno muito grande para todos os estudantes. A minha turma, por exemplo, ficou muito tempo tendo aulas no auditório, que não é um lugar preparado para ter aulas”, relembra Manu.

Ela cita que durante a graduação também precisou de adaptações avaliativas e que faltou preparo dos professores para atender alunos com deficiência.

“Foi difícil, porque infelizmente os professores não estão preparados para atender um estudante que tenha uma necessidade educacional especial, que tenha uma deficiência. Então os acessos dentro da educação foram complicados”, relata.

Ações da universidade

De acordo com a Universidade Federal do Paraná, além de Manu, em 2003 outra estudante com a mesma condição se formou em pedagogia.

A instituição disse que possui uma série de ações afirmativas para a inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior, entre elas, para o ingresso, por meio de acessibilidade no processo seletivo, cotas e vagas suplementares exclusivas.

Há também ações que visam a permanência de pessoas com deficiência na universidade, por meio de atendimento educacional especializado, atendimento psicológico, reuniões de orientação, disponibilidade de tutores, entre outras.

‘Ser exemplo’

Manu conta que a força para seguir em frente veio por meio do apoio da família e amigos, que a ajudaram a conquistar os espaços que ocupa hoje.

Para ela, compartilhar conhecimento é o caminho para mudar o mundo, missão que assumiu.

“A minha luta é levar conhecimento, discutir junto com as pessoas, para que as pessoas com deficiência não passem por aquilo que eu passei durante minha infância, adolescência e na graduação. Que seja mais leve para elas”, finaliza.

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