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Medalhistas nas paralimpíadas de Tóquio, gêmeas superaram bullying na educação regular: ‘Se você quer um exemplo de inclusão, está aí’

Atletas paralímpicas Débora e Beatriz Carneiro conquistaram a inclusão em Maringá, no Paraná, e se tornaram referência na natação, na avaliação do pai. STF analisa decreto do governo federal que instituiu a Política Nacional de Educação Especial

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|Foto: Eraldo Carneiro/Arquivo pessoal|
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Eraldo Carneiro é pai de duas meninas vitoriosas. Desde que caíram nas piscinas e começaram a treinar, há mais de dez anos, Beatriz e Débora, que têm 23 anos, somam títulos e conquistas. Com muita dedicação, as gêmeas disputaram a Paralimpíadas de Tóquio.

As duas voltaram para casa, em Maringá, no norte do Paraná, com duas medalhas de bronze. Uma coroação por tudo o que a família fez e faz para elas serem as melhores do mundo.

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“Se você quer um exemplo de inclusão, está aí. As minhas filhas são muito melhores do que eu. As minhas filhas têm inteligência muito melhor do que eu”, detalhou.

Débora e Beatriz são gêmeas idênticas têm deficiência intelectual, que é conhecida como um retardo mental.

“Percebemos no período escolar. Quando elas tinham cinco ou seis anos, a professora contou que elas não conseguiam acompanhar mais os coleguinhas, tinham dificuldade para aprender”, lembrou o pai das gêmeas.

Por anos, Eraldo e a mulher buscaram um diagnóstico definitivo. Enquanto isso, contrataram pedagogos para reforçar o aprendizado e buscaram diversos profissionais. Tudo para que as meninas tivessem as mesmas oportunidades do que as crianças que não possuem qualquer deficiência.

Com a ajuda de uma escola particular, as gêmeas conseguiram interagir com outros alunos e serem integradas à sociedade. Claro que o caminho não foi fácil, foi composto por algumas barreiras que quase levaram o pai a desistir de mantê-las na escola.

“A palavra inclusão foi entrando aos poucos, porque elas não tinham uma deficiência evidente. Lidar com a deficiência intelectual, é um pouco mais complexo. Nem todos os professores estão preparados para alfabetizar”, contou Eraldo.

“Às vezes, alguns problemas acabavam acontecendo, a sociedade não está preparada. As famílias, os alunos da mesma faixa etária não estão preparados para receber pessoas com deficiência na escola. É aí que começa a aparecer os preconceitos, as discriminações, o bullying. Elas não vão conseguir interagir com os amigos da mesma idade, no mesmo nível”, disse o dentista que mora em Maringá.

As atletas Débora e Beatriz conseguiram superar o processo educacional e, para a família, estão incluídas na sociedade. Uma vitória muito comemorada e que mostra que as gêmeas conseguiram realizar o sonho dos pais, são reconhecidas mundialmente não pela deficiência, mas por serem referência no esporte.

“Moro em uma cidade que tem três faculdades de medicina, talvez seja o curso mais nobre para uma universidade, sonho de consumo, pergunto ‘quantos médicos se formam por ano em uma cidade como Maringá?, Londrina, Curitiba?, dezenas, centenas. Quantos cursos tem no Paraná? Quantos se formam no Paraná? Quantos nadadores do Paraná ganharam uma medalha olímpica? Se você me responder isso, eu vou dizer que eu consegui a inclusão. As minhas filhas são respeitadas hoje pelo o que elas fazem, pelo o que elas conquistaram. São vistas como atletas. Me sinto com o dever mais do que cumprido”, concluiu Eraldo Carneiro.

Discutindo educação inclusiva

Enquanto Eraldo quis colocar as filhas em uma escola regular, muitas famílias optam por matricular os filhos com deficiência em escolas com educação especial.

No Paraná, há 400 instituições de ensino exclusivo. É o estado que mais têm escolas deste tipo no Brasil, segundo apontou o último censo escolar divulgado pelo Governo Federal.

Conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 66% destes estudantes são incluídos nas classes comuns durante a educação infantil no Paraná, enquanto em outros 12 estados do país a inclusão é de 100%.

No ensino fundamental, o número sobe para 71% enquanto, no ensino médio, a inclusão é quase total: 99% dos estudantes com deficiência estudam em escolas regulares com inclusão social.

“O fato de termos tantas escolas de educação básica da modalidade educação especial no Paraná não torna o estado menos inclusivo. Se analisarmos as estatísticas, muitos estados que não têm escolas de educação especial, proporcionalmente, têm um número menor de pessoas com deficiência intelectual e múltipla no ensino comum”, disse o presidente da Federação das Apaes no Paraná, Alexandre Augusto Botarelli Cézar.

Para Cézar, a escola de educação básica, na modalidade de educação especial, da forma como acontece, não dificulta a inclusão.

“Estamos falando com pessoas com deficiência intelectual e múltipla que necessitam de um atendimento sistematizado e permanente. O movimento Apae incluiu 1.136 alunos, foram preparados na escola especial e incluído no ensino comum. As escolas acompanharam a presença e auxiliaram os professores na recepção”, detalhou

Discussão nacional

A manutenção e até a expansão destas instituições de ensino está em discussão no Supremo Tribunal Federal, após um decreto do governo federal, de outubro de 2020, instituiu a Política Nacional de Educação Especial.

Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto determinou que governo federal, estados e municípios devem oferecer “instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”

O PSB recorreu ao Supremo afirmando que as medidas instituídas são discriminatórias e vão na contramão da educação inclusiva.

Para o Ministério da Educação, pessoas com deficiência não devem estar em escolas regulares, participando da vida escolar como estudantes sem deficiência.

A medida é alvo de questionamentos e de críticas por parte de educadores e especialistas. Para os pesquisadores, essa mudança pode excluir essa população e acabar com tudo o que foi conquistado há décadas.

“A deficiência não é um impeditivo para a aprendizagem. Existe uma confusão muito grande no país em misturar a educação especial como serviço, e uma ideia do que se fazer nestes serviços. Quando falamos em educação inclusiva estamos falando de uma concepção de educação para todos. Quando falamos de educação especial estamos falando de um serviço que vai atender algumas especificidades”, disse Mirian Célia Castellain Guebert, doutora em Educação e professora do Programa de Direitos Humanos e Políticas Públicas e do Curso de Pedagogia da PUC-PR.

“Nós precisamos desenvolver uma cultura do princípio da igualdade, somos iguais mesmo tendo características diferentes. Somos iguais porque somos humanos, somos sujeitos de direito. A partir do momento que as pessoas entenderem isso, a nossa cultura vai ser muito mais inclusiva, na escola, no trabalho, na família, no lazer, no esporte. Falta informação sobre o que é de fato o processo inclusivo”, concluiu.

Para a Federação das Apaes no Paraná, a inclusão deve acontecer, desde que seja com responsabilidade. A federação entende que as instituições exclusivas devem continuar abertas apoiando famílias e as próprias escolas de ensino regular.

“Entendemos que a educação funciona quando as pessoas se apropriam das informações, se apropriam do ensinamento. Por isso, nós entendemos que as famílias têm o direito de optar onde por matricular os seus filhos. Pergunto, se a escola comum, escola inclusiva, fosse de verdade, acontecesse em cada município, porque os pais matriculariam os seus filhos em uma educação especial? Respeitamos o que as famílias desejam em relação a educação dos seus filhos e isso deve ser respeitado”, afirmou o presidente da Federação das Apaes no estado.

Recursos x separação

Para Eraldo Carneiro, pai das gêmeas paralímpicas, o país e os estados deveriam privilegiar o repasse de recursos para as instituições de ensino, dando suporte físico, tecnológico e humano às escolas. Ele acredita que a discussão deveria estar focada em melhorar o currículo das licenciaturas para preparar os futuros professores a lidar com os extremos dentro da mesma sala de aula.

“Não existe um decreto, presidente, governador ou prefeito, que vai resolver o problema da inclusão da pessoa com deficiência. Não existe uma fórmula ou receita pronta, ninguém sabe como fazer. Precisamos passar por um processo de transição, pode demorar uma ou duas gerações, mas nós podemos chegar lá. É preciso criar mecanismos, condições para as escolas. É preciso preparar professor de matemática, física, química, biologia, inglês, não é só o psicopedagogo que pode resolver. Como que um professor de física vai ensinar a matéria para determinados deficientes. Não é com decreto lei”, disse.

A professora Mirian Castellain Guebert salienta que a escolas devem ser construídas para todos, devem garantir acesso, permanência e aprendizagem a todos os estudantes, independentemente das características.

É a partir do entendimento de que cada criança ou estudante tem necessidades individuais específicas é que o processo de inclusão realmente vai acontecer.

“Ouvimos dos professores que não estão preparados em relação a uma criança especial, mas o profissional tem que estar preparado em relação aos processos de aprendizagem, de ensino. A partir do momento que o professor compreende que ele precisa ensinar bem, ele tem que ensinar todo mundo”, afirmou.

“Não adianta o Governo Federal resistir em relação ao processo de atender a todos nas escolas regulares sendo que as pessoas com deficiência estão no bairro, na família, na igreja. Elas são atendidas no sistema de saúde. Priorizar o não atendimento desse público na escola regular, é um retrocesso até para a própria história do país”, concluiu a professora da PUC-PR.

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